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ENTRE GATOS, ONÇAS E TRONOS MEDIEVAIS

O que a TV tem a ver com a Amazônia? Numa visão fria e cartesiana, nada. Mas alguns pontos muito sutis aproximam essas duas coisas grandiosas numa mesma análise. Começando pela beleza, muito presente na TV, e inerente à Amazônia; a própria grandiosidade também é algo em comum, uma vez que as duas têm funções vitais no cotidiano do mundo todo. Porém, o foco dessa comparação é a organicidade muito delicada. A Amazônia é um ecossistema complexo, onde a maior diversidade de vidas do planeta interage de forma quase inacreditável. Embora em proporções bem menores, a TV também existe a partir de um “ecossistema”, onde se integram grandes forças, econômicas e sociais, interagindo freneticamente. A grande semelhança desses dois ecossistemas está no fato de que, mesmo gigantescos, são muito suscetíveis. Se fica mexendo aqui e acolá pode-se provocar um desequilíbrio, cuja recuperação passaria a ser incerta.

Nos últimos 20 anos a TV brasileira passou por uma quantidade enorme de transformações. A chegada do celular colocou em disputa o espaço eletromagnético para transmissão de sinal sem fio. Veio o padrão digital, depois mais mudanças com a chegada do 4G, muda de novo com o 5G. Sem contar o streaming, a IPTV, agora também o sinal de satélite. Isso pra falar só em transmissão. Tecnicamente, essas mudanças todas são muito bem resolvidas. A dificuldade está nas consequências comerciais, regulatórias, nas políticas públicas, em direitos concedidos e até na economia popular.

Ao longo da história a casa, o domicílio, se tornou um lugar de segurança, onde a família convive, se alimenta, dorme, cuida da higiene pessoal e guarda seus pertences. Hoje em dia, além de tudo isso, a casa também é o lugar onde se vê televisão. No passado, práticas culturais e de lazer eram coisas para os castelos, as mansões. Agora, mesmo se você não faz parte da nobreza, conta com a possibilidade de se esparramar no sofá e escolher, na TV, um entretenimento que lhe agrade. Acontece que a infraestrutura que possibilita tudo isso, mais uma vez, está sofrendo alterações. E trazendo o risco de interferências concorrenciais e econômicas nada construtivas.

O sinal de satélite, que distribuía a programação das grandes redes de TV aberta para as torres, poderia atrapalhar o 5G. Precisou mudar a frequência desse sinal. Em locais distantes, onde os sinais das torres não alcançam, criou-se o hábito de colocar uma antena parabólica e descer direto do satélite. Funcionou para um, para outro e agora tem cerca de 15 milhões de lares dependentes desse sinal. Em muitos desses lares vivem famílias carentes. O sinal desses satélites mudou da chamada banda C para a banda Ku. E o governo garantiu para essas famílias um kit gratuito para sintonizar o novo sinal. De cada 100 parabólicas, cerca de 60 são particulares e 40 doadas pelo governo. Já tem mais de 5,5 milhões de lares no novo sinal.

O problema é que, pelo mesmo satélite passam cerca de 60 canais. Com isso, parte da audiência que pagava baratinho por “gato” da TV por assinatura, parece ter preferido ficar só no satélite gratuito. E o tal satélite agora pode estar fazendo alguma concorrência para operadoras de TV. Tudo isso são suposições, uma vez que não dá para ter certeza de onde veio tanta audiência para o satélite.

O que falta – e as emissoras tradicionais estão cobrando do governo – é regulamentação. As novas emissoras, que começaram a ancorar nos satélites, podem disputar verbas publicitárias. E elas não estão sob as leis que regem as grandes redes. Por outro lado, uma operadora de TV por satélite já estuda a criação de um pacote bem baratinho, mais ou menos no preço do gato, com uma programação mais simples porém, num sinal mais robusto do que o do governo.

Como já mencionado, você não viu nada sobre problemas técnicos nessa situação. Porém, a saga dos clandestinos e o risco de interferências na disputa pelo bolo comercial, põem em risco a oferta de um serviço de qualidade. Afinal, são as grandes redes que criam e colocam no ar os programas que seguram milhões e milhões de pessoas em frente à TV. Sem regulamentação, o gato pode virar uma onça da Amazônia. E a nobreza, esparramada em seus tronos, pode resolver procurar entretenimento em alguma outra parafernália digital.

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