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DESDE QUE O MUNDO É MUNDO…

Como é mesmo que se fala mi mi mi em inglês? Se demorar para encontrar a tradução, tente também um exemplo concreto em algum ambiente típico de meias palavras, em algum país que adota o idioma. Nos Estados Unidos, por exemplo, vai encontrar, no equivalente à nossa Câmara Federal, um caso clássico recém concluído.

Há quase um ano e meio foi criada uma comissão, tipo CPI, para avaliar a postura de mercado das gigantes digitais americanas. Na berlinda, Google, Apple, Facebook e Amazon (não sentiu falta de nada aí? Vai ver que a Microsoft agora é uma microempresa). O relatório final foi entregue na semana passada e concluiu que essas marcas adotam uma postura muito prejudicial à competição. Para chegar a essa conclusão a comissão ouviu 250 pessoas e analisou mais de um milhão e trezentos mil documentos. O que eles escreveram de objetivo no relatório é mais ou menos o que ouviriam de você, caso lhe perguntassem. Novidade nenhuma.

Poderiam ter partido direto para o passo seguinte, quando devem ser decididas as medidas práticas a serem tomadas. Quem sabe eles fizeram a tal investigação, justamente para não tomar as medidas concretas… Pelo menos, agora ninguém pode dizer que os políticos não fizeram nada. Pois é, se você teve a impressão de que já viu isso antes, deve pensar melhor da próxima vez que afirmar “essas coisas só acontecem aqui”.

A situação é complicada. Sem contar o que representam para a economia americana, essas empresas têm um papel estratégico. A postura anti concorrência que elas adotam é um problema quando dentro das fronteiras dos Estados Unidos. Mas, para o país, é uma solução quando acontece em relação a outras nações. Eis uma daquelas coisas que não podem ser ditas, mas todo mundo sabe que é assim mesmo. Essa saia justa parece ter animado um grupo de empresas digitais americanas, que estão crescendo rapidamente, e querem passar a disputar um espaço maior no mercado. Como elas sabem que a resposta correta não pode ser dita, estão levando a pergunta-que-não-quer-calar diretamente às autoridades: por que essas quatro grandes utilizam todo poder econômico que conseguiram para sufocar as potenciais concorrentes? Que respondam os senhores representantes do povo, eleitos para isso.

De acordo com reportagem do site Computerworld Brasil, entre as medidas sugeridas no relatório, como forma de combater esses excessos, estaria uma nova lei antitruste, que olhasse para a realidade digital. De fato, esse setor da economia é marcado por uma grande mobilidade de capitais, sujeito a reviravoltas radicais por conta de inovações, que podem aparecer da noite para o dia. Atentas a isso, as grandes corporações, que primeiro acumularam muito dinheiro, agora devoram as potenciais concorrentes quando se sentem ameaçadas. Grandes aquisições, como o Instagram e WhatsApp, incorporados pelo Facebook, foram citadas no relatório como exemplos dessa prática.

Já nessa primeira medida começam a aparecer as contradições. Em sentido totalmente contrário, há poucos meses o presidente Trump quis condicionar a presença, entre os internautas americanos, dos aplicativos Tik Tok e WeChat, ambos chineses. A solução proposta seria a aquisição por parte de uma empresa americana. Quais seriam as candidatas a encabeçar o negócio? A Coca Cola ou o McDonalds?

Voltando ao relatório da comissão, outra proposta seria isolar os negócios dessas empresas em unidades independentes. Por exemplo, o site de buscas do Google deveria estar numa empresa completamente separada da empresa que administraria a Play Store, ou o desenvolvimento do sistema operacional Android. A coexistência dessas verticais sob um mesmo teto de negócios seria definitivamente desfeita. A mesma providência deveria ser aplicada também nos casos da Apple e Amazon. As empresas são acusadas de privilegiar suas marcas próprias nas plataformas de comércio que mantêm.

Para falar bem no estilo você-me-entendeu, essas marcas são o que são, porque são mais do que as outras conseguem ser. O Facebook pode ser apenas um oportunista, um espertalhão, pedinte de desculpas. Mas a Apple inventou o modelo de smartphone que transformou a comunicação humana. A Amazon inventou o web varejo e o Google inventou um “índice” eletrônico para qualquer um encontrar o que quiser na Internet. Só para citar alguns exemplos básicos… Com certeza, isso não lhes dá direito de sufocar quem está por baixo. Mas ainda não foi inventado um “direito” para regular geradores de super inovações, ou empreendedores super-bem-sucedidos. Se houvesse, colocaria em cheque os últimos 200 anos da história dos Estados Unidos. Um país que surgiu de um ideal nacional de hegemonia. Obsessão que, diga-se, também rendeu muitos benefícios para o mundo todo.

Trump está se revelando diante da China como uma metáfora do que foi George Bush, o pai, diante da ascendência econômica japonesa nos anos 80. Seria saudável uma dissolução gradativa dessa supremacia insustentável. Mas, dessa vez, não será uma missão possível para o Congresso Americano. E sim um passo a ser dado por toda a humanidade, aguardado desde o Império Romano.

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