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A PENA E A ESPADA NA MESA DO REI

O discurso institucional à respeito da TV paga no Brasil mudou de tom. Aquele que, há cerca de 10 anos, era considerado um modelo de negócio bilionário, todo poderoso, hoje está entrando no rol dos “setores que mais precisam”. Ainda não se usa dizer “a TV paga brasileira”… mas não deve demorar para receber esse traço de nacionalidade. A antiga aura forasteira, de algo exterior, de adversário estrangeiro que veio disputar o mercado das emissoras brasileiras, começou a mudar há pouco tempo.

Foi naquele antigo “climão” que surgiu a lei da TV paga, nos idos de 2011. A lei 12.485, ou lei do SeAC – Serviço de Acesso Condicionado criou uma série de obrigações para essas empresas. Dentre elas, as que fortaleceram muito o audiovisual brasileiro. Por exemplo, o recolhimento da Condecine, uma contribuição fiscal cobrada sobre quase tudo que usa câmeras para ser produzido. Tem ainda o espaço obrigatório para o audiovisual nacional no line up dos canais por assinatura. Mesmo com esses e outros ônus a TV paga cresceu no Brasil, chegou a quase 20 milhões de assinantes. Hoje já perdeu quase um terço disso, então chegou a hora de mudar a lei.

Para Carlos Baigorri, Conselheiro da Anatel que deve ser o próximo presidente da agência, a nova lei do SeAC vai trazer maior competitividade das operadoras de TV por assinatura em relação aos serviços de streaming (ou OTTs). Por enquanto, ele não disse como. Considerou que a possibilidade de cobrança antecipada por parte das operadoras é um caminho. Porém, o pré-pago já está autorizado desde o último mês de maio. O grande pleito das operadoras é a maior simetria tributária e regulatória entre elas e o streaming. Se isso vai acontecer a partir de maior regulamentação do streaming ou pela desregulamentação da TV por assinatura, ainda ninguém sabe.

A situação das operadoras de TV continua piorando no Brasil. A Anatel tem evitado divulgar dados precisos, mas a queda de assinantes é inegável. O curioso é que essa relativa penúria confere um status especial para o setor. Como se o enfraquecimento, o espectro do fracasso, fossem fatores de merecimento.

Não há dúvida de que o serviço de TV por assinatura é importante para o Brasil. Já empregou mais de 1 milhão de pessoas, com uma boa média salarial. Mas há um bom tempo não presta bons serviços. São canais com programação repetida, queda no sinal e outros problemas que não precisavam acontecer com tanta frequência. Como não havia grande concorrência, parecia que tudo ia muito bem. O crescimento do streaming mudou tudo e agora só se fala nas dificuldades do setor. Quando, na verdade, seria oportunidade também para se discutir a qualidade do serviço. Será que a nova regulamentação trará novidades nesse sentido?

Seria importante que as empresas fossem consideradas pela qualidade do que oferecem aos usuários. É o critério mais objetivo. No entanto, ao que parece, aqui no Brasil a condição de carência é mais valorizada. O pequeno produtor rural que tem um bom carro, um padrão razoável de vida, é visto como um privilegiado, quando não explorador. Vem uma seca, ele perde a propriedade para o banco, daí passa a figurar entre “os que mais precisam”. Então se torna credor de todo apoio por parte de governantes e serviços públicos.

O modelo de negócio das operadoras de TV por assinatura vive um limbo tecnológico no mundo todo. A ameaça não é de desaparecimento, mas de uma redução de escala em todos os indicadores empresariais. Vai ser necessária muita criatividade para que, na condição de exibidora, possa novamente se cacifar como player de peso no mercado. Nesse rumo, a discussão em torno de incentivos governamentais deve estar pautada no interesse público, regra única para todas as instituições oficiais. Quanto aos critérios para qualificar o legítimo interesse público estará a geração de empregos, de impostos, e deve estar principalmente, a qualidade do serviço. Sem esse último critério não haverá justiça, pois o fato gerador nunca estará apoiado numa relação honesta entre prestadores e clientes.

As mudanças no marco regulatório são necessárias. O que se espera é que o poder público participe focado em seu papel institucional. A começar pela correção das próprias falhas primárias. O combate severo contra a pirataria, por exemplo, é responsabilidade integral dos órgãos governamentais, que podem e devem ser auxiliados pelos cidadãos de bem – estejam eles ligados ou não às empresas afetadas por esta situação, através de denúncias direcionadas aos órgãos competentes de fiscalização. Está é uma providência muito anterior a qualquer revisão regulatória e tem um potencial enorme de alavancagem para o setor.

Neste segmento de mercado, assim como em qualquer outro, existem empresas sérias – seguidoras das leis, regras e ordenanças à risca – e outras, nem tanto. No momento de escolher sua operadora de streaming, seja você um empresário ligado ao setor ou um assinante, cidadão honrado, ético e responsável, procure entender com quem está lidando. A responsabilidade por termos um país mais justo e igualitário começa conosco. Se não formos o exemplo, quem será?

Para os empresários que optam por trabalhar fora da lei, muito provavelmente um dia terão que prestar contas à justiça, que mesmo sendo lenta e morosa em certas situações, no momento de cobrar as dívidas dos contribuintes costuma ser de uma eficiência ímpar. Já os assinantes que decidiram comprar serviços destas empresas sabem que estão prejudicando muitas outras, que trabalham de forma séria. O crescimento da pirataria também aumenta a desconfiança dos investidores no país, reduzindo nossa competitividade frente o mundo globalizado. Tudo isso aumenta o custo Brasil, que já é um dos maiores do mundo.

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