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REGRAS QUE TIRAM A GRAÇA DO JOGO

A que altura devem voar os drones que o Uber vai usar no transporte de passageiros? Você acha que precisa de algum limite de velocidade? E o que deve ser exigido para habilitar o condutor?

Carroça nunca precisou de habilitação. Talvez porque um ou dois cavalos sejam mais inteligentes do que aqueles outros 50, no mínimo, que fazem a força dos motores à combustão. Até que isso se esclarecesse, demorou um tempo. Não sobre uma eventual inteligência dos cavalos, mas sobre a necessidade de se criar regras para o trânsito.

Em 1892, quando o Abolicionista José do Patrocínio importou da França o primeiro automóvel que circulou no Brasil, não existiam leis específicas. A máquina era a vapor, o barulho assustava as pessoas pelas ruas do Rio de Janeiro. Só susto, até que anos mais tarde Patrocínio convidou o amigo e poeta Olavo Bilac para pilotar a máquina. A geringonça foi destruída no choque com uma árvore, marcando o que se considera o primeiro acidente automobilístico do Brasil. Felizmente, sem vítimas.

Quase 120 anos depois as leis começam a chegar antes dos problemas. Mas só na parte tributária, como querem para o IoT (Internet das coisas). No que diz respeito aos riscos dos usuários, ainda tem muitas árvores pela frente. Não pode atrapalhar as vendas. Os investimentos são enormes e o mercado precisa dar uma resposta rápida. A sociedade não tem tempo nem para se acostumar com aquilo fazendo parte da vida.

Deixando de lado nosso papel de cobaias tecnológicas – com o qual somos coniventes – a carência de leis melhores ameaça investimentos. A inovação legislativa precisa se elevar mais próxima do nível que está a tecnológica. E não é exatamente isso que se vê nas casas de leis brasileiras.

Como de hábito, estamos importando o que é muito sofisticado. A União Europeia produz esse tipo de lei, já que os Estados Unidos, como maiores produtores de tecnologia, não gostam de normas sobre seus produtos. Em certos casos, as adaptações brasileiras foram bem-sucedidas: o Marco Civil da Internet, mais recentemente as normas de privacidade de dados. Também demos vexame, por exemplo, quando os algoritmos do WhatsApp foram “detidos” pela Justiça Federal. Na verdade, até agora, quem mais impulsionou esses esforços foi a barriga. E não dá para continuar assim.

O PAPEL DA LEI E A LEI NO PAPEL

O Brasil não tem uma postura clara para produzir leis. Mas tem um certo “marketing” legislativo danoso. Parece que as leis são criadas para proteger alguém, normalmente “os que mais precisam”. Esse viés paternalista desorganiza a lógica concorrencial. E, no fundo, se transforma no álibi para criar dificuldades e vender facilidades. Depois de quatro anos de Operação Lava Jato não há nenhum constrangimento em reconhecer.

Num cenário econômico onde o cidadão consome muita tecnologia, principalmente importada, essas práticas não estão funcionando. No caso das operadoras de TV por assinatura não há jeitinho que resolva as atuais incertezas. A lei até foi feita, mas com vícios. Bastou aparecer o Netflix e a banda larga se expandir, para surgir um grande vazio.

As operadoras de TV são regidas pela Lei do SeAC – Serviço de Acesso Condicionado, vigente desde 2011. Enquanto o Youtube era praticamente todo o vídeo da Internet, ninguém reclamava. Com o Netflix mudou. Mas foi só o começo. De acordo com José Felix, CEO da Claro Brasil (NET e Claro TV), a concorrência OTT em si não é o problema. Em entrevista para o site Teletime, há pouco mais de uma semana, Felix parece mais preocupado com o hábito que o consumidor adquiriu de assistir à TV via Internet. A onda dos aplicativos estaria tirando o sossego das operadoras.

Por conta desse novo hábito do consumidor brasileiro canais como Fox, HBO, Première e outros estão mandando pela Internet exatamente o que exibem pelas operadoras. A programação linear completa é vendida por esses canais direto ao consumidor, para exibir via banda larga. É o que mais atrapalha o negócio das operadoras: conteúdo ao vivo, principalmente esportivo, pela Internet.

E o que justifica o inconformismo do CEO da Claro? É a lei do SeAC, que ele considera “esdrúxula”, “protecionista” e “anticoncorrencial”, mas está em vigência. José Felix lembra que a lei do SeAC não permite que produtores de conteúdo sejam também distribuidores. O Netflix não responde à essa lei porque não produz programação linear, somente vídeo on demand. Felix afirma que a Claro também quer vender conteúdo próprio, mas a lei não permite. E enquanto a lei não muda, ele quer que todos cumpram do jeito que está.

ERA PARA EXPLICAR, MAS CHEGOU PARA CONFUNDIR

Lei malfeita é o rabo de palha institucional que o poder público brasileiro faz questão de abanar bem perto de todas as “fogueiras” possíveis. Poderia ser diferente, mas os palácios “onde canta o sabiá” sofrem de um egocentrismo que seria infantil, se não fosse corrupto. “O carimbo é nosso” e quem precisar dele vai deixar algum “presente” por aqui.

As operadoras de TV estão pressionadas no mundo todo. Por aqui a Claro Brasil, com cerca de 8,8 milhões de assinantes, domina o mercado e sofre com uma certa obsolescência do próprio modelo de negócio.

A Lei do SeAC é protecionista por exigir que parte do conteúdo distribuído pelas operadoras, obrigatoriamente seja nacional. Esse “carregamento” não pesava tanto antes das mudanças recentes no setor. Agora, no terreno acidentado da inovação, onde a concorrência colocou todos, esse peso ficou bem maior.

As críticas de José Felix estão baseadas numa interpretação jurídica feita pela empresa que ele chefia. Ele considera que a oferta de programação linear basta para caracterizar aqueles que devem se submeter à Lei do SeAC.

Para Alberto Pecegueiro, Diretor Geral da Globosat, a interpretação é outra. O que caracterizaria o acesso condicionado é a via pela qual é distribuído, ou seja, a cabo ou por satélite. Ele entende que tudo que chega via Internet necessariamente é serviço de valor adicionado.

Aliás, a Globosat parece ter sido o alvo preferencial das críticas de José Felix. É a maior programadora brasileira e tem pendurado em seus pacotes alguns canais de pouco interesse para o público. Diga-se, prática comum também entre as programadoras estrangeiras que estão no mercado brasileiro.

Se a postura de nossos poderes públicos fosse de menor interferência possível, as empresas dos vários segmentos não iriam se apegar tanto à regulamentação para tentar enfrentar as dificuldades. Leis mal elaboradas, enviesadas por diversos interesses, acabam conduzindo à “loteria” da judicialização. É o outro sério gargalo institucional por aqui. Num país onde a suprema corte cria para si o poder de revogar a Constituição, tudo pode acontecer num tribunal. Também pode não acontecer nada, enquanto simplesmente o tempo passa e cada um faz o que bem entende. Investir assim é muito mais arriscado.

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