sexta-feira, 18 de maio de 2018
Sabe aquela banda larga cara e “anêmica”, lenta, que carrega pouca coisa por vez? Então, isso pode deixar de ser a rotina dos internautas brasileiros em breve. As previsões de investimentos no Brasil, para provimento de conexões de alto desempenho por banda Ka, estão crescendo. E pelas mãos de empresas que estão chegando agora ao país.
Até o final do ano a Yahsat, estatal dos Emirados Árabes, estará lançando seus serviços no Brasil. O site da empresa para o mercado brasileiro anuncia cobertura para mais de 5 mil cidades, disponível para 97% dos domicílios. O apelo da empresa é a capacidade de levar Internet “para os lugares mais inimagináveis da Terra”. Não deve ter exagero na afirmação. Ela opera no Oriente Médio, África e parte do Sudoeste Asiático, além da Europa.
A Hughes também anuncia aumento da cobertura no Brasil para 5 mil cidades. Lembrando que o Brasil tem, ao todo, 5570 municípios. Por meio da HughesNet, ainda em 2018 promete disponibilizar cobertura para 90% da população. Para tanto vai contar com o sinal de mais um satélite, com lançamento previsto para os próximos meses.
Por fim, em muito pouco tempo deve ser possível contar com a cobertura do SGDC – Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação. A capacidade civil do satélite, também em banda Ka – que é muito mais barata para a operadora – vai ser comercializada pela Viasat, em parceria com a Telebrás. O contrato entre as duas empresas está suspenso pela Justiça, por conta de ações movidas por concorrentes da Viasat que já estão há tempo no Brasil. Eles questionam o fato de não terem sido chamados pela Telebrás para negociarem, como foi feito com a Viasat, até então sem operações por aqui. Mas a Telebrás, que realizou chamamento público no ano passado, sem receber nenhuma proposta de qualquer empresa, refuta esses argumentos.
Através da parceria com a Telebrás, a Viasat deve prover a infraestrutura em terra para receber o sinal do satélite. Isso implica na instalação de 50 mil estações VSAT, mais os equipamentos de banda-base e gateways. A operação e manutenção de toda essa estrutura estará sob responsabilidade da Viasat.
A chegada inesperada da Viasat ao Brasil, em condições competitivas extremamente favoráveis, é considerada por analistas como o fato propulsor dos investimentos de outras empresas do segmento por aqui.
PODE RIR AGORA?
E se a Justiça determinar o cancelamento do contrato Telebrás/Viasat? A hipótese parece cada vez mais remota. Primeiro porque o principal enigma da transação, que era o contrato de parceria, foi amplamente – embora não totalmente – aberto ao conhecimento público. Nesta semana a Telebrás publicou comunicado ao mercado, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), onde o contrato com a Viasat é apresentado. Há tarjas cobrindo os detalhes sigilosos da negociação que, segundo a Telebrás, não estão na cópia enviada ao TCU – Tribunal de Contas da União, integramente aberta.
O atual presidente da estatal, Jarbas Valente, afirma que “é um absurdo alguém dizer que só a Viasat foi procurada”. Segundo ele, houve conversas com outras empresas, e até propostas foram apresentadas. “Existem relatórios internos de cada uma destas conversas”. Oito empresas teriam sido chamadas e três delas – incluindo a Viasat – apresentaram propostas. O que não houve foi aquele regateio, típico de armazém de café, apresentando as condições oferecidas por uma concorrente, para ver se a outra cobriria a proposta.
O site Teletime divulgou um estudo em que as condições do contrato Telebrás/Viasat foram comparadas com o Edital do Chamamento Público, realizado em outubro de 2017. Quatro pontos demonstram claramente que o contrato com a Viasat tem vantagens em relação às exigências do chamamento público. Além da confidencialidade de algumas cláusulas, que não eram aceitas pelo Edital.
No entanto, a Telebrás tem boas explicações, quando a discussão se dá pelo “juridiquez”, a língua dos advogados. Começa pelo fato de que jamais foi feita uma licitação ou um leilão da capacidade do SGDC, e sim um chamamento público. A diferença, de acordo com a Telebrás, é que o Edital fica totalmente desvinculado de algum contrato feito posteriormente.
Jarbas Valente cita um acórdão do TCU segundo o qual a comercialização de serviços de telecomunicações pela Telebrás estaria vinculada à lei das empresas de economia mista, uma vez que se trata da atividade fim da empresa. O Gerente de Serviços de Satélite da empresa, Bruno Henriques, foi além, dizendo que uma licitação para a capacidade do SGDC seria “como exigir do Banco do Brasil que faça uma licitação para conceder empréstimos, ou da Petrobrás que faça uma licitação para vender petróleo.”
Para a cúpula da Telebrás, logo de início, o contrato poderia ter sido feito por negociação individual e direta. Porém, em conversas com o TCU, teria sido considerado melhor começar pelo chamamento público, o que foi feito. Quanto aos termos do Edital do chamamento, Valente afirma que “… a gente colocou parâmetros sem saber quem viria, por isso tinha que ter precauções contra aventureiros. No processo de seleção privado a gente sabia com quem estava negociando, por isso as exigências podem ser diferentes”.
Por fim, ainda restou provado que o contrato não coloca em risco o sigilo das operações na banda X do satélite, operada pelas Forças Armadas. Então, tá. Mas não dá para negar que a figura do tal “chamamento público” foi mais uma jabuticaba que brotou no quintal da Telebrás.
AFINAL, DE QUEM É O MUNDO?
Uma palavra permeia cada frase desse confuso episódio. É a esperteza. O que, em certa medida, é admissível quando se trata de negociações. Porém, nesse Brasil, já parcialmente lavado a jato, é difícil acreditar que tudo tenha sido feito exclusivamente em nome do interesse público. O risco é cair no outro extremo, inaceitável, que é a bobeira.
Ao que parece, as empresas que aportam por aqui aprendem rapidinho as regras do jogo. E teria sido por aí que as potenciais operadoras do satélite optaram, prevendo um segundo capítulo mais dramático. O governo, que todo dia atira de lá de cima R$ 800 mil, por conta da ociosidade do SGDC, entraria no segundo ato em pânico. E as empresas iriam impor suas condições.
Deu mal! A Telebrás conta que, depois do chamamento vazio, procurou as 13 empresas que tinham retirado o edital, para saber onde a coisa pegou. Algumas nem deram respostas e outras, teriam apontado os pontos cruciais. Bruno Henriques afirma que, após estudo das respostas, chegou-se a conclusão de que seria impossível um edital capaz de atender às expectativas de todos, preservando as necessidades da Telebrás.
Em seguida, foi feita uma tomada de preços, que a estatal empilhou sobre os argumentos que colecionava para justificar a contratação direta. Agora o contrato com a Viasat está aí.
Na sequência, concorrentes internacionais tomaram fôlego para correr dentro de nossas fronteiras. Vamos ver o que o governo vai fazer, através dos órgãos competentes, para evitar que também esses novos concorrentes adiram ao “clube” dos fornecedores de serviços públicos. A propósito, em tempos de PLC 079, que pode acabar com as concessões na telefonia e manter apenas o regime de autorizações, caberia testar estratégias de negociação para qualificar a concorrência entre as empresas. Faz tempo que o consumidor desses serviços só sabe o que é apanhar.
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