BLOG

O CONHECIMENTO, MAIS PODER DO QUE DIREITO

A parábola do Bom Samaritano, uma das mais conhecidas da Bíblia, é um exemplo histórico de que nem todos gostam de simplificar. Ela foi criada por Jesus como um recurso didático quando Ele falava da importância de se “amar o próximo”. Alguém levantou e questionou: “-Quem seria o meu próximo?” Veja se isso é pergunta que se faça! E então, a parábola foi contada.

Quatro séculos antes Diógenes de Sinope andava durante o dia com uma lanterna acesa na mão. Dizia estar a procura de um homem honesto, num claro questionamento sobre o que é ser honesto. Diógenes era um filósofo cínico, e isso não é um xingamento. Os filósofos dessa corrente acreditavam que a única razão da existência era a virtude, por isso, em desprezo às normas e valores da sociedade, viviam pelas ruas como mendigos. Daí serem comparados a cães, do grego, “cínicos”.

Engraçado, é justamente o contrário do cínico que hoje se vê tanto por aí, aquele que prega uma pureza mas vive na esperteza. Essa mudança de significado só aconteceu no Século XIX, quando as pessoas contestaram a seriedade de quem só pensa em virtudes e nega os prazeres da vida. A filosofia cínica passou a ser vista como uma grande conversa fiada.

O que nunca ninguém soube era que luz vinha da lanterna de Diógenes, capaz de iluminar dúvidas tão sutis. E tão importantes!

Por exemplo, o que é “bipolaridade”? Hoje deve ser essa vida em dois mundos, tanta gente com a cara colada no celular, entre o mundo concreto e o digital da Internet. E o que é privacidade? Ah, esta deve ser uma longa discussão para os próximos anos. Vai ser necessário encontrar um novo significado para não perde-la por completo.

DIREITOS FUNDAMENTAIS E FUNDAMENTOS COMERCIAIS

A “privacidade dos dados sensíveis”, por exemplo, já existe na lei americana. São as informações sobre finanças, seguridade social, geolocalização, saúde, a vida das crianças, o histórico de navegação do internauta, os aplicativos que costuma utilizar e o conteúdo das mensagens escritas e recebidas. Foi o que a FCC, que regula as telecomunicações nos Estados Unidos, conseguiu no ano passado livrar do assédio por parte das teles, as grandes operadoras de telefonia móvel e banda larga. Mas o Governo Trump está mais sensível ao apelo das empresas e a privacidade corre o sério risco de se tornar somente aquilo que o cidadão for capaz de esconder.

Ainda no ano passado, o FBI de Obama quis acessar dados de clientes em servidores da Microsoft que estavam fora das fronteiras americanas. A empresa foi à Justiça e conseguiu que uma juíza barrasse a bisbilhotagem. Mas neste mês de fevereiro foi o FBI de Trump que quis a mesma coisa do Google, e conseguiu de um juiz o sinal verde para avançar. O Google recorreu e ninguém arrisca um palpite sobre o que virá.

A privacidade, que era sua, agora vai ter preço para você pagar, não mais para vende-la. Porque foi no governo passado que a FCC proibiu as teles de cobrar mais de quem quisesse sigilo. E ainda garantiu o direito do cidadão escolher, caso a caso, os dados que aceitaria compartilhar. Com Trump, o melhor que o cidadão terá é a escolha entre compartilhar todos os dados ou não compartilhar nada – pagando por essa discrição.

Ao que parece, esse Direito Fundamental não existe no mundo da Internet. Quem quiser passar por lá vai ter que ficar nu na porta giratória. É aí onde se confirma o aforismo do “almoço grátis”. Quem paga o acesso – que seria o “ingresso” – não tem garantido mais nada free. Estaríamos chegando ao final de um longo período de “degustação” da Internet livre? Não se faz aqui uma tentativa de justificar toda essa invasão à privacidade alheia. É apenas a contemplação da realidade árida dos novos tempos.

ALGUÉM JÁ DISSE ISSO ANTES

A tecnologia, de certa forma, teve um efeito “socializante” pelo mundo. Quem sonharia com computadores dentro de favelas e de escolas públicas? Quando se esperava que o Brasil tivesse mais linhas de celulares do que habitantes? Mas agora começa a aparecer um custo sinistro, que avança sobre valores que nunca estiveram à venda.

A razão disso parece estar em poderes que extrapolaram regiões, nações e oceanos, para atingirem dimensões planetárias. E esse poder está no conhecimento. No passado, quem conhecia bem uma determinada região se consolidava comercialmente lá. Agora, quem conhece mais a tecnologia prevalece sobre os que conhecem menos. E o tal efeito “socializante” parece explicar o monopólio.

É fantasioso pensar em marcas nacionais de processadores de ponta, por exemplo. Os custos para desenvolvimento e fabricação são altos demais. Só se pode pensar em escala global, para atingir a redução de custos capaz de incluir mais e mais pessoas. É onde se constitui a “base de usuários”, tão cara à divulgação de marcas.

Não se vê no horizonte um concorrente para a Intel, por exemplo, capaz de superar a qualidade que ela alcançou. Pudera, com o faturamento que ela obteve historicamente, os investimentos sustentaram a hegemonia. Quem estaria capacitado a desenvolver um concorrente comercialmente poderoso para enfrentar a marca Windows? Haveria processador compatível?

É por aí que uma Internet nova se torna impossível. Então, se quer continuar navegando, a alternativa não é alternativa, é única.

O conhecimento está se aproximando cada vez mais do poder. O “equilíbrio de forças” vai se dar por aí, pondo à prova a fragilidade do modelo de sociedade em que vivemos. Ah, só pra lembrar: a Internet que está aí é o principal meio de divulgação do conhecimento que existe na Terra.

ARQUIVO DE POSTAGENS

Bitnami