O celular é tão companheiro, tão cúmplice de tudo que você faz, que hoje em dia ordem de prisão já chega junto com a apreensão do celular. E se conseguir sair com habeas corpus, não vai ser fácil sair com seu “comparsa” digital no bolso. Não é surpresa pra ninguém que seu celular sabe mais da sua vida do que seu cônjuge. O que acaba dando àquela outra pessoa, por reciprocidade, o direito de silêncio sobre seu homônimo pessoal. A legitimidade dessa união pode nem estar na letra da lei, mas com certeza, é amplamente reconhecida na sociedade.
E durante a pandemia, quando todo mundo ficou dentro de casa, junto com a família? A proximidade com o celular aumentou mais ainda no Brasil. Pelo menos é o que se pode presumir a partir dos dados de uma pesquisa nacional realizada pelo site Mobile Times. A pesquisa, sobre o uso de apps, mostrou que nos anos de lockdown o uso de streaming no celular subiu de 45% para 69% dos aparelhos de pessoas com mais de 16 anos. Depois teve uma queda e está estabilizado em 66%. Ou seja, de cada três aparelhos, 2 estão com aplicativos de streaming. Chama atenção o fato de que 10% desses aparelhos têm 5 ou mais assinaturas diferentes, com uma média de 2,3 assinaturas diferentes entre esses 66%. Nas classes D e E, que são as menores faixas de renda, a proporção de aparelhos com aplicativos de streaming também é alta, chegando a 56%. Conforme aumenta a faixa de renda, também cresce o número de celulares com apps para assistir a filmes e séries, chegando a 74% nas faixas A e B.
Os aplicativos de música também foram baixados com mais frequência durante a pandemia. Subiram de 26% para 43%. É verdade que esses apps também são usados para ouvir podcasts, mas a maioria das pessoas só ouve músicas. De qualquer forma esses dados apontam que, mesmo na presença de pessoas conhecidas, aqueles hábitos mais individuais não são esquecidos. Talvez o celular seja ainda mais atraente porque é muito discreto e tem muita qualidade na execução dessas tarefas. Além da praticidade de trazer tão facilmente qualquer atividade diferente para sua tela, de notícias a videogames. A pesquisa apurou que a quase totalidade, ou 98% dos celulares das pessoas com mais de 16 anos, já baixaram aplicativos de qualquer tipo. O perfil desses aplicativos é predominantemente de gratuito, sem publicidade, mas com a opção de recursos extras que podem ser comprados. O aplicativo gratuito é a preferência da grande maioria dos pesquisados. Isso tem muito a ver com a grande disponibilidade de similares gratuitos. Os que nunca pagaram para baixar nada afirmam que não veem necessidade de gastar dinheiro com isso. Uma pequena faixa desses entrevistados afirmou que poderia mudar de ideia se tivesse a oportunidade de uma degustação. Não querem arriscar pagar por um serviço que pode ser logo esquecido e sair da própria rotina.
Essa relação com o celular parece ser única na história da humanidade. Por um lado é semelhante com o que acontece com objetos de uso intensivo, caso de roupas e sapatos. Quanto mais você usa, maior é a sua vontade de trocar pelo primeiro similar que aparecer na sua frente. A diferença está no fato de que o celular não serve apenas para uma forma de uso. Pelo contrário, é um multitarefas que vive adulando você, trazendo tudo que você imaginar. Muitas pessoas guardam pela vida toda cadernos dos tempos de escola, alguns até exclusivos para mensagens de amigos. Entre os homens, quem já teve um canivete suíço dificilmente joga fora, mesmo que ganhe outro melhor. Mas o celular, definitivamente, não é um objeto capaz de gerar vínculos afetivos. Ou você conhece muitas pessoas que têm o hábito de guardar celulares antigos?
A sexta geração da telefonia móvel, que já está em fase bem avançada, deve trazer entre seus recursos a holografia. Imagine o seu celular 6G projetando imagens em 3 dimensões. É algo muito curioso mas pode não se revelar muito útil. Como foi a televisão 3D. Chegou no Brasil num momento oportuno, quando a super produção Avatar fez sucesso nos cinemas com versões em 3D. Mas pouca gente levou esse hábito pra casa. Comercialmente a TV 3D foi um fogo de palha, como se dizia na roça.
A máquina que parece ter gerado o maior encantamento humano, principalmente para os homens, é o automóvel. Será que é porque automóvel também dá muito trabalho e despesas para seu dono? Isso seria uma prova de que tudo aquilo que não dá trabalho, não cria problemas, também não vira paixão? Para ter certeza, ainda vai demorar. Precisa ver se os carros autônomos vão ser preservados tanto quanto os carros que hoje são antigos, guardados por tantos colecionadores.