“O céu é para todos!”. Sim, mas no caso das frequências de rádio, TV, celular e dados em geral, precisa respeitar as regras. Nos grandes centros de geração e repetição de sinais, como acontece nas cidades maiores, não é fácil encontrar espaço para qualquer frequência. Todas correm bem próximas da velocidade máxima permitida na natureza. Até aí tudo bem, só não pode avançar na faixa da outra.
O sinal do 5G, que chegou para dominar boa parte do firmamento brasileiro, encheu de obras no céu e na terra para criar sua via. Foram designadas 4 faixas de frequência, a principal delas é a de 3,5 gigahertz, a banda C. Essa faixa é capaz de transportar muitos dados – como exige o 5G – e não precisa de tantas repetidoras. Apenas… 10 vezes mais do que o 4G, que opera em 700 megahertz. Difícil perceber, pois antenas do 5G são mais discretas. Mas numa cidade como São Paulo você passa por várias delas sem precisar andar muito.
A faixa dos satélites é muito próxima da banda C, tanto que é conhecida como banda C estendida. Ela pode sofrer interferência do sinal potente do 5G. Essa é apenas uma das “obras viárias” exigidas para os novos celulares. Já está praticamente pronta. A banda C estendida faz a ligação de satélites para estações classificadas como FSS, que são utilizadas por instituições de ensino a distância, pela aeronáutica, por emissoras de rádio e TV. A solução passa pela alteração da frequência de operação ou pela instalação de filtros, dependendo de cada estação. Até agora já foram certificadas 19.000 estações pelo Brasil, faltam apenas 200.
Todo esse trabalho está sendo realizado pela EAF – Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz. Ela foi constituída com o propósito específico de cumprir todas as obrigações decorrentes do leilão das frequências do 5G, realizado em 2021. Foram obrigações que o governo impôs a todas as empresas que quisessem participar do leilão. Elas tiveram que criar um fundo de mais de R$ 6 bilhões para constituir a empresa e bancar as atividades. Além das estações FSS elas estão instalando novas antenas para as residências de pessoas que assistem à TV por antena parabólica. Deve chegar a 5,5 milhões de antenas gratuitas para famílias carentes.
Se fosse só isso, estaria fácil. Mas, no mesmo acordo, o governo incluiu outras obrigações relativas ao desenvolvimento das telecomunicações no Brasil. A mais desafiante é a criação de 6 infovias subfluviais. No total, são cerca de 7 mil Km de cabos nos leitos de rios da Amazônia. É a parte física da infraestrutura que viabiliza as telecomunicações. As obras ainda aguardam o licenciamento ambiental. Mas parte delas, como os ramais que seguem em terra firme, já está em andamento. Além de desafiante, a obra é polêmica. Uma outra infovia similar, bem menor, já foi construída há anos na Amazônia, mas não funcionou. A forma de colocação dos cabos fez com que, nos períodos mais secos do ano, eles ficassem expostos em alguns pontos. Sem saber do que se tratava muitas famílias usaram as fibras ópticas como enfeites em suas casas.
No momento a situação de seca é dramática na região. Os leitos de muitos rios estão totalmente secos, o que até facilitaria em muito a instalação dos novos cabos. E se a chuva não vier logo em seguida? Quem vai tomar conta dos cabos expostos ao longo de milhares de quilômetros? E se os rios não voltarem ao volume normal de cada um? Com uma boa dose de otimismo pode-se acreditar que, em breve, todo aquele cenário vai ser novamente o que sempre foi. Mas esse otimismo não seria suficiente para supor que, nos próximos 10 anos, outra seca histórica não vá criar a mesma situação. Seria o fim das infovias e o caos nas telecomunicações na Amazônia.
É quando vem à tona a grande questão: qual seria a maneira verdadeiramente sustentável de levar desenvolvimento para a Amazônia? Essa tentativa de levar internet, telefonia e telecomunicações em geral para aquelas populações, está dentro desse propósito. Ao mesmo tempo, está seriamente comprometida pelos efeitos da ocupação, de outras tentativas de “progresso”. Até agora, o que indicam as principais pesquisas é que esta seca é consequência principalmente do desmatamento, de queimadas e outras ações humanas. O El Niño e outras causas naturais cíclicas, pouco ou nada interferiram. É um reforço à tese de que, se não encontrarem um jeito muito especial para levar desenvolvimento para a Amazônia, ele nunca vai chegar lá. Mesmo um recurso tão “limpo” e indispensável como as telecomunicações, não consegue chegar por causa do nível de destruição. Tudo causado por devastadores que, em nome do progresso, querem explorar madeira e criar gado de qualquer jeito. Ou promover a mera especulação imobiliária. Na região que concentra 10% de toda água superficial do planeta, o povo está fugindo por causa da sede.
Falta um “filtro de progresso” que deixe passar apenas os empreendimentos possíveis para a Amazônia. Dessa vez não dá para esconder. O céu já está vendo.