JOGO PERIGOSO NA NOVA JORNADA ARGENTINA

Quando se fala em telecomunicações na América Latina lembra-se logo que o Brasil e a Argentina compartilham algumas soluções e tecnologias. O governo recém empossado do economista Javier Milei, com o super decreto apresentado ao congresso, pretende mudar parte das leis do setor. As consequências dessas mudanças para o mercado de satélites, serviços relacionados à […]

Quando se fala em telecomunicações na América Latina lembra-se logo que o Brasil e a Argentina compartilham algumas soluções e tecnologias. O governo recém empossado do economista Javier Milei, com o super decreto apresentado ao congresso, pretende mudar parte das leis do setor. As consequências dessas mudanças para o mercado de satélites, serviços relacionados à banda larga e radiodifusão e à TV por assinatura, ainda são difíceis de prever. Em princípio, essas e outras mudanças no setor de telecomunicações previstas no decreto, não apresentam claras oportunidades para o Brasil. Internamente, os empreendedores argentinos relacionados com as telecomunicações, em alguns casos, podem se sentir ameaçados pelas mudanças propostas.

A Arsat, estatal que impulsionou a tecnologia de satélites na Argentina, deve estar entre os que sentem incertezas a partir do decreto. Hoje o país tem uma capacidade tecnológica respeitável na produção de satélites de comunicação, bem a frente de outras nações do continente. Algo aparentemente comparável ao que o Brasil alcançou na aviação com a Embraer. O decreto prevê a transformação das estatais em sociedades anônimas, o que mais parece um caminho para a privatização. Não se fala em golden share ou alguma precedência que venha a ser preservada em favor do país.

A lei do audiovisual, modificada no mandato de Maurício Macri – que agora faz parte do governo de Milei – está sendo revogada. E de forma que cria uma situação única na Argentina, sem similar na Europa, nos Estados Unidos ou mesmo na história dos hermanos. O site Teletime traz essa referência nos estudos de Martin Becerra, que pesquisa a regulação das comunicações na Argentina. Ele se refere à falta de um limite para outorgas de canais para empresas licenciadas. Em nível nacional, quem tiver uma licença pode ter quantas outorgas quiser pelo país. Um risco mundialmente reconhecido, uma vez que, alguém com o suficiente poder econômico, pode multiplicar suas emissoras no país, a ponto de comprometer a ordem e a segurança nacionais. O decreto ainda abre o mercado de TV por assinatura, pois qualquer provedor pode oferecer os serviços lineares ou ao vivo pela internet, como radiodifusão por assinatura. Ainda na onda de abertura comercial, a oferta de comunicação por satélite fica livre, tendo como obrigação única uma notificação para efeito de organização do espectro eletromagnético.

A propósito, este pode ser considerado uma boa referência para a avaliação das medidas propostas por Milei para as telecomunicações. Sim, o espectro eletromagnético. Ele não existe na natureza. O que a natureza oferece é a livre propagação de ondas eletromagnéticas que podem, por meio de determinadas técnicas, transportar informações pelo ambiente. Depois que o homem descobriu a possibilidade de utilizar essas ondas para um negócio como o rádio, apareceu o problema das interferências excessivas. A programação de emissoras de rádio chegava misturada aos ouvintes. Começaram a competir na potência e todos foram prejudicados. Então compreenderam que existe espaço para todo mundo, desde que cada frequência emitida respeite o espaço de propagação de outras ondas. Frequências não se misturam quando têm certa diferença em relação às outras. Assim nasceu o espectro eletromagnético. Um planejamento da distribuição das frequências, organizado pelo governo de cada país, de forma que uma não atrapalhe a outra. Quem quer colocar no ar uma emissora de rádio, ou de televisão, sinal de internet ou qualquer outro serviço que utilize frequências eletromagnéticas, primeiro precisa pedir a frequência para o governo. Respeitando essa lógica o uso do espaço foi racionalizado e sobrou frequências para todo mundo.

O governo de Javier Milei teve como primeira medida a apresentação de um decreto (algo que aqui seria chamado de projeto de lei) com mais de 300 artigos, mexendo em muitos setores da vida argentina. Nunca se ouviu dizer que ele tivesse promovido algum debate sobre isso. Possivelmente ele terá muita dificuldade para aprovar essa “nova onda”, que precisa passar pelo amplo e congestionado espectro político argentino. A natureza é um modelo ideal de organização. A vida na Terra segue uma ordem onde as mudanças são lentas e graduais. É justamente quando esse ritmo é alterado que a natureza responde num tom muito acima dos nossos exageros, de forma avassaladora. E isso não interessa a ninguém.

É importante considerar que Milei foi eleito democraticamente e tem legitimidade para governar. As escolhas dele, dentro do que admite a lei argentina – e isso está acontecendo até agora – devem ser respeitadas enquanto tentativas. O que for aceito pelos representantes do povo no congresso, deverá acontecer. A torcida é para que tudo caminhe da melhor forma possível. Até pela importância que a economia argentina tem para o Brasil. Porém, pelo que se viu até agora, convém acompanhar tudo bem de perto.

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