Respostas aceitas, temos aos montes. Mas se começar pôr à prova, a coisa vai complicando. No caso a pergunta é “para que serve uma lei?” Talvez sirva como uma norma estabelecida para garantir direitos. Uma primeira tentativa de complicação seria questionar “quais são os direitos a serem garantidos?” A civilização já tinha mais de dois mil anos de história quando tentaram fazer uma declaração global de direitos humanos. Os mais básicos, para não ter polêmica. Hoje, em todos os países desenvolvidos ou em desenvolvimento, existem partidos cujos princípios questionam os direitos mais elementares de nós mesmos.
A coisa é muito complicada. Agora o caso concreto, presente. Trata-se de uma lei bem elaborada, bem discutida, com participação de todos os interessados. Foi aprovada e promulgada em 2011, comemorada como um ponto final numa série de dubiedades. Hoje está destruindo por completo um modelo de negócio. As empresas do ramo vão mudar a forma de operação para escapar da lei. Mas a lei vai continuar existindo, regulamentando algo que possivelmente vai deixar de existir. É a famosa lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado) que, na prática, regulamenta o serviço de TV por assinatura, a cabo ou por satélite. Essas formas de conexão fazem parte da classificação legal das telecomunicações no Brasil e, como tal, estão sob o comando da Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações. A Internet – embora tenha rabo, focinho e patas de telecomunicação – no Brasil não se encaixa na legislação do setor.
A lei do SeAC foi pensada para ajeitar tudo, por isso foram criadas uma série de obrigações para aquele negócio “milionário, que iria engolir a Globo e tudo mais”. As operadoras então foram obrigadas a dedicar uma certa quantidade de horas diárias para exibição de conteúdo nacional; tiveram que disponibilizar espaço para TVs universitárias (que quase não existiam) e TVs até para sociedades de bairros. Pagam também a Condecine, uma contribuição criada para formar um fundo para financiar o audiovisual brasileiro. Por aí se percebe que a lei cobriu uma série de necessidades do setor, foi algo bem pensado… para aquela época. Estão sob essas regras empresas como Net, Claro, Vivo, Sky, Tim, dentre outras. Na via da concorrência, quando se olhava pelo retrovisor, lá no fundo dava pra ver uma manchinha, a Netflix, que um ano antes tinha inventado o OTT. Uma espécie de vídeo locadora que só despacha conteúdo pela Internet. Não demorou 5 anos para que o novo negócio passasse como um trator por cima da TV por assinatura. Começou a ganhar tantos concorrentes que precisou produzir conteúdo, montou a própria Hollywood in house. As empresas mais endinheiradas do mundo, que não tinham nada a ver com conteúdo audiovisual, não deixaram passar a oportunidade enriquecer mais. Puseram as próprias marcas no novo negócio, como Apple e Amazon, que são a própria história da Internet. Hoje o setor está concorridíssimo, mas todas elas ainda ganham muito dinheiro, no mundo todo e no Brasil também. Espremem a TV por assinatura no mercado, mas não pagam Condecine, não tinham qualquer compromisso com conteúdo nacional, muito menos com TVs universitárias ou de bairros. “É que eles não são telecomunicações, são Internet”, explica a lei, com base numa outra lei, que também não sabe nada sobre o assunto. Desde 2014 o número de clientes de TV por assinatura teve uma queda contínua e avassaladora.
Mas em histórias de televisão, como você bem sabe, o mais comum é final feliz. É o que parece estar no horizonte! A Claro TV – que agora é também a dona da Net – constatou que a perda de assinantes está reduzindo bastante. Mais do que isso, para meados do próximo ano, a previsão é de retomada do crescimento! Mas como assim? Ora, num Brasil onde já existem milhões e milhões de TVs conectadas, onde a banda larga já alcança níveis razoáveis de transmissão, a “TV a cabo” vai entrar na Internet. Ou melhor, já entrou de cabeça. De acordo com o site TelaViva, só a Claro já tem 730 mil clientes banda larga, entre os conectados pelo APP e pelo Claro Box. Como de praxe o benchmark vai espalhar a solução pelo mercado. E o que vai acontecer com a lei do SeAC? É exatamente isso que dá calafrios nas empresas só em pensar. As leis da natureza, inquestionáveis, surgiram com o mundo. Quando ganham um enunciado é só porque o homem entendeu o que se passa. Não é prerrogativa de ninguém fazer essas leis. Já as leis humanas são feitas para depois saber se vai dar certo. Em tempos de explosão tecnológica essa forma de legislar precisa ser urgentemente reestudada.