O QUE TODO-MUNDO-FAZ NÃO SUBSTITUI A SUA CONSCIÊNCIA

É uma experiência interessante ler o Código Penal Brasileiro. Não precisa ser todo, só folhear e escolher os artigos que mais chamarem atenção. A lei que descreve cada um dos atos considerados crimes no Brasil não é complicada como costumam ser os textos do Direito. E não poderia ser. Ela tem que deixar absolutamente claro […]

É uma experiência interessante ler o Código Penal Brasileiro. Não precisa ser todo, só folhear e escolher os artigos que mais chamarem atenção. A lei que descreve cada um dos atos considerados crimes no Brasil não é complicada como costumam ser os textos do Direito. E não poderia ser. Ela tem que deixar absolutamente claro aquilo que pode conduzir uma pessoa a perder a própria liberdade. É até engraçado observar quantos sinônimos ou circunstâncias diferentes são pensados para não ficar dúvida do que se está determinando.

Um tipo de crime que pode dar várias brechas para escapar é a receptação. A pessoa paga R$ 150,00 por um celular top de linha, última geração e pensa: “- Eu não roubei nada de ninguém.” Hãhã… Veja o que diz o Código Penal, em seu artigo 180, sobre receptação: “Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte.” Parece muito claro, não é!? A pena, de reclusão, pode variar de 1 a 4 anos, mais multa. Mesmo assim ainda tentavam confundir para se defender. Em 1996 uma emenda deu a seguinte redação para o 180, com o que se chama receptação qualificada: “Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime.” E tem mais cinco parágrafos para cercar a esperteza por todos os lados.

Pois é, quem tem TV a cabo por um “gato” – é baratinho! – está agindo da forma descrita aí no 180. “-E daí, ninguém vai me pegar.” Verdade! Segundo o conselheiro Moisés Moreira, da Anatel, quase metade das pessoas que consomem audiovisual digital no Brasil o fazem de forma clandestina. É muita gente. Ou são caixas importadas, gato de TV a cabo, ou sites piratas que repassam vídeos, jogos de futebol, aplicativos. Tudo produto de furto. A constatação foi no final de maio do ano passado, segundo o site Teletime. Na ocasião, Jonas Antunes, da Associação Brasileira de TV por assinatura (ABTA), apontou um prejuízo de R$ 12 bilhões para toda a cadeia. Isso impacta desde o emprego do assistente de estúdio, até a diretoria das operadoras de TV por assinatura, chegando finalmente no fisco.

Mesmo diante de um prejuízo tão grande, a enorme quantidade de consumidores clandestinos não permite supor que eles correm risco de serem denunciados.  Mas podem ser frustrados. Isso aconteceu muitas vezes neste ano de 2023. A ABTA montou um laboratório junto com a Anatel, no próprio prédio da agência, de onde estão sendo bloqueados os serviços de streamings identificados como piratas. O trabalho, que já vem sendo feito desde fevereiro, deve ganhar um grande reforço em breve. A Ancine, agência reguladora do audiovisual, vai começar a trabalhar junto com a Anatel no mesmo laboratório. Os técnicos da Ancine têm informações suficientes para identificar qualquer transmissão ao vivo, pela marca d’água ou pelo IP. E, pelos recursos do laboratório, é possível bloquear a transmissão de imediato. O conselheiro Moisés Moreira comentou a “saia justa” pela qual passou em visita à Liga que organiza o campeonato espanhol. Segundo ele, no momento da transmissão de um jogo, os técnicos da entidade mostraram dois transmissores no Brasil exibindo um jogo deles ao vivo, sem licença. Eram dois provedores de pequeno porte.

André Rodrigues, diretor da Abrint – uma entidade que representa os pequenos provedores – sugeriu que o conjunto dessas pequenas empresas atue para evitar essas fraudes, por meio de um trabalho educativo. A sugestão de uma ação educativa foi de Juliana Domingues, chefe do Plano Nacional de Combate à Pirataria, organizado pelo CADE. A pirataria é uma conta muito cara, a TV por assinatura é só um item no mix desse tipo de crime. Informações do G1, divulgadas em 2022, indicam que os setores mais atingidos são combustíveis, bebidas, defensivos agrícolas, vestuário, perfumaria, higiene e limpeza e autopeças, além da TV paga. O valor total estimado das perdas ronda os R$ 345 bilhões.

Importante levar em conta que há muitos anos o “esforço educativo” tem sido um eufemismo para passar pano. Não que esse tipo de ação seja sempre ineficaz. Mas, se não houver ações de repressão e de punição quando identificados os criminosos, a tendência é a total desmoralização dos agentes públicos.

Ainda no ano passado o Brasil foi considerado o quinto maior consumidor de conteúdo pirata do mundo, de acordo com o site Poder 360. Foram cerca de 4,5 bilhões de streamings e downloads ilegais no país, de janeiro a setembro de 2021, segundo o levantamento da State of the Internet Akamai.

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