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“MATCH POINT” VOLTA PARA O GINGA

O espírito olímpico é especialmente oportuno para explicar o que aconteceu na semana passada com a TV digital brasileira. O Ginga, software 100% nacional que permite a interatividade pela TV, foi mantido. Esse filme você já viu outras vezes, sempre com o mesmo final, frustrante. Por isso desta vez vamos encarar como um “match point”, como se diz no tênis, no vôlei, na hora em que um dos lados da disputa só precisa acertar aquela bola para ganhar o jogo. Afinal, cada vez mais, tudo que se promete, jura, assina e registra em cartório, quando tem a ver com política pode mudar por completo de uma hora para outra. No caso do Ginga, mais uma vez voltou a ficar por cima. Mas o jogo ainda não acabou.

Se bem que, desta vez, vai ficar estranho se tentarem voltar atrás de novo. Porque envolveram instituições fora da política, no caso, o TCU – Tribunal de Contas da União. O Ministro Gilberto Kassab, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, negou um pedido para excluir o Ginga de um processo de compensações sociais. Ele disse que não é possível porque toda a documentação do processo foi aprovada com o Ginga incluso. Se desta vez o Ministro voltar atrás, estará debochando da lei. Tudo vai parecer apenas a velha estratégia de criar dificuldades, pra vender facilidades. É como se diz nos casos em que uma autoridade demonstra o poder que tem em mãos, criando uma dificuldade apenas para que os interessados se apressem em perguntar “quanto custa”. Ninguém quer acreditar que seja isso que está acontecendo.

UMA CONVERGÊNCIA DE INTERESSES

A história é enrolada, mas dá pra recapitular o suficiente para qualquer um entender. Tecnicamente, a faixa de frequência usada nas transmissões de TV é muito boa para quem quer fazer qualquer cobertura grande de sinal de radiofrequência. Não é à toa que, no mundo todo, as operadoras de celular (as “teles”) tem olho gordo em cima dessa faixa. As operadoras brasileiras, para expandirem a Internet 4G, há alguns anos já pediam ao Governo Federal que liberasse parte dessa faixa de frequência que as emissoras usam. Na época, o governo tinha outra grande preocupação: o “switch off”, ou seja, o fim do sinal analógico para transmissões de TV no Brasil. Em todos os países onde isso já aconteceu, antes do desligamento definitivo do sinal analógico (switch off) foram doados conversores, ou até televisores novos para as famílias de baixa renda. São as compensações sociais. No Brasil, não poderia ser diferente. Afinal, a TV aberta tem um papel social inegável.

Diante do pedido das teles o Governo Brasileiro resolveu juntar as duas coisas. Ele aceitou liberar parte da faixa de TV para as operadoras, desde que elas assumissem os custos das compensações sociais. Fizeram as contas, deu R$ 1,2 bilhão para cada interessada. As frequências são distribuídas através de leilão entre as empresas. No caso desse leilão, que aconteceu em 2014, cada empresa inscrita teve que assumir o compromisso de doar R$ 1,2 bilhão para o fundo de compensações. Só depois pôde entrar na disputa do “quem dá mais”, onde o governo fica com o dinheiro dos lances vencedores. No final, o Governo ficou com pouco mais de R$ 5 bilhões (soma dos lances vencedores) e o fundo de compensação com cerca de R$ 3,6 bilhões. O detalhe é que, no Edital do leilão, estava escrito que os conversores doados para a população de baixa renda teriam que ter o Ginga. É disso que o Ministro Kassab está falando agora.

DANDO NOME AOS BOIS

Os R$ 3,6 bilhões do fundo de compensação ficaram em nome de uma empresa criada só pra isso, a EAD – Empresa Administradora da Digitalização. As decisões dessa empresa são tomadas pelo GIRED – Grupo de Implantação e Redistribuição de Canais De TV. O GIRED tem representantes do Governo Federal, das emissoras de TV e das teles. Na semana passada, representantes das teles e das emissoras fizeram um acordo para excluir o Ginga dos conversores que vão ser doados à população de baixa renda. Com isso os conversores podem ser mais simples, ficam mais baratos. Cairiam de um preço estimado em torno de US$ 20,00 por unidade, para cerca de US$ 10,00.

A EAD estaria buscando essa economia por alguns motivos claros. Primeiro porque a empresa Oi, que era considerada uma das interessadas pelo leilão, acabou ficando de fora. Na época ninguém entendeu mas agora, que a situação financeira da Oi chegou às páginas dos jornais e aos cartórios de protesto, ficou claro. Isso fez o fundo ficar menor do que o previsto. Tem ainda o fato de que, além dos conversores, as compensações incluem a doação de equipamentos para as emissoras que usavam as frequências leiloadas. Incluem também filtros de frequência necessários para algumas regiões e os custos de divulgação do desligamento analógico. Por fim, há que se considerar que todos esses equipamentos são importados e o dólar deu um salto significativo no ano passado.

OLHANDO PELO OUTRO LADO

Um conversor (o nome técnico é set-top box) com Ginga permite a interatividade pela TV. Com isso, a população de baixa renda pode acessar uma série de serviços públicos, como saldo do FGTS, informações sobre empregos na região e até cursos profissionalizantes pela TV. O Ministério da Cultura vai disponibilizar ainda um vasto acervo de filmes, que poderão ser baixados pelos interessados, como um “Netflix” gratuito. O Ginga permite ainda que muitas prefeituras façam seus próprios aplicativos, para divulgar campanhas de vacinação, matrículas escolares e até agendamento de consultas médicas. Se a coisa pegar e os conversores interativos chegarem ao mercado, empresas particulares como bancos ou clínicas podem desenvolver aplicativos para clientes utilizarem a plataforma Ginga. Mesmo as emissoras podem incluir mais recursos na grade de programação com o Ginga.

O Ginga deveria ter começado a história por aí, conquistando o mercado. Mas as grandes empresas de tecnologia não se interessaram em investir em equipamentos para um software brasileiro, mesmo sendo considerado o melhor do mundo no segmento, segundo avaliação oficial da UIT – União Internacional de Telecomunicações. O Ginga é uma plataforma estratégica para países pobres, onde a TV aberta domina e tem as maiores redes de cobertura. Nos países ricos fica mais fácil fazer a interatividade pela “segunda tela” (tablets ou smartphones) via Internet. Aqui no Brasil as emissoras já fazem isso por meio de aplicativos, como o Globo Play. Isso já se tornou mais uma forma de faturamento para elas. Foi o que faltou para o Ginga. As emissoras brasileiras não conseguiram encontrar um modelo de negócios para ganhar dinheiro com ele. Pelo contrário, corriam o risco de ouvir reclamações dos anunciantes.

COMO FICA, ENTÃO?

O Ginga tem várias implementações. Uma delas, com poucos recursos, muito limitados, é obrigatória para os fabricantes de televisores com conversor embutido. Na prática é um Ginga que não serve para quase nada. A implementação mais sofisticada é chamada de Ginga C e estava prevista para atender a interatividade exigida no leilão. A implementação escolhida agora fica um pouco abaixo do Ginga C, vai precisar de um hardware com 2 GB de memória flash e 256 MB de RAM. É metade da RAM prevista para o Ginga C e ainda, não vai ter entrada HDMI nem porta ethernet. As duas entradas USB estão mantidas. Não terá também a máquina virtual Java, limitando o uso de aplicativos desenvolvidos em linguagem Java. Com isso, o preço estimado fica em torno de US$ 15,00 por unidade, um valor intermediário.

Se ficar desse jeito o conversor, sem entrada HDMI, só vai exibir qualidade de imagem SD, que é a resolução dos televisores analógicos. Faz sentido, uma vez que se trata de uma compensação para famílias que, teoricamente, não tem condições de comprar um conversor por R$ 100,00. Quando precisar de conexão do conversor com a Internet terá que usar uma das portas USB, conectando um modem 3G ou um dongle Wi-Fi. Uma solução que atende minimamente os dois lados.

E AFINAL, PRA QUANDO FICA O SWITCH OFF ?

Este é o ponto chave da questão. Desde o início da TV digital no Brasil o Governo tinha reunido todas as partes interessadas e fez um planejamento. O processo foi bem conduzido. O desligamento definitivo do sinal analógico ficou marcado para 2018. Só que no ano passado um grupo de emissoras começou a gritar para os quatro cantos que essa data seria impossível e acabou convencendo o governo. Na última portaria publicada pelo Governo Federal em 10 de maio de 2016, foi estabelecido que até 31 de dezembro de 2018 o sinal analógico será desligado apenas nas localidades nas quais seja necessária a viabilização da implantação das redes de telefonia móvel de quarta geração (4G) na faixa de radiofrequências de 698 MHz a 806 MHz.

Com isso, a previsão é de que até 2018, o sinal analógico de TV seja desligado em cerca de 1.400 municípios do Brasil para liberar a faixa. Segundo o Ministério das Comunicações, essas localidades concentram a maior parte da população do país. A data para implantar completamente o sinal digital nas regiões menos habitadas, aparentemente ficou para “algum dia, quem sabe”. Só deve acontecer de fato quando não houver mais peças de reposição para os equipamentos analógicos.

Há quem aposte que o motivo dessa mudança por parte das emissoras foi a recessão e a alta do dólar. Os que tinham deixado para comprar os equipamentos na última hora ficaram sem capacidade de investimento com as novas condições econômicas do país. Elas já digitalizaram a transmissão, mas falta digitalizar a retransmissão (RTV), ou seja, os equipamentos das torres que recuperam o sinal depois de alguns quilômetros de distância, formando assim as grandes redes de cobertura.

Nas regiões mais populosas, onde as emissoras faturam bastante, também é onde chegam muitos sinais de radiodifusão, inclusive o dos celulares. É nessas regiões onde o sinal analógico de TV mais atrapalha a expansão do 4G das teles. Nas regiões menos habitadas as faixas de frequência são pouco utilizadas, sobra espaço para o 4G. Isto é, caso as teles tenham interesse em levar o sinal até essas regiões.

Será que, dessa vez vai!? Façam suas apostas.

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