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ARROZ, FEIJÃO E TECNOLOGIA DE PONTA

Boa parte da atual população do planeta viveu o tempo em que, dentro de casa, alta tecnologia não tinha nem pra remédio. Dito sério, pois até a formulação dos xaropes, comprimidos e fortificantes era bem mais simples.

As engenhocas domésticas eram tecnologias assimiláveis, sempre tinha alguém por perto que dava conta de consertar o básico. Quase todo chefe de prole sabia arrumar alguma coisa na mecânica do carro – isto é, entre os que tinham carro em casa. Um primo mais velho, mais curioso, desmontava rádios, às vezes até trocava válvulas de televisores. Era assim também com geladeiras, máquinas de lavar, liquidificadores.

Esse foi o ambiente tecnológico ideal para o surgimento da poderosa “gambiarra”. Um arame aqui, gota de cola ali, muita sorte e o aparelho funcionou! Deixa assim, dá um tapinha aqui se falhar, quando piorar a gente chama o técnico. Era quando vinha a bronca pelo “servicinho de porco”.

Tudo bem, um dia isso virava marchinha de carnaval e a gente se divertia. Ninguém acreditava que iria viver para ver “o milhão no milímetro”: até um milhão de componentes num milímetro quadrado de um chip, é o que já se pode ter hoje. Ver mesmo não dá, mas as tarefas que um celular realiza provam que os componentes estão lá.

A marchinha de carnaval, por exemplo, neste ano o aplicativo Globo Play mostrou ao vivo, por plataformas digitais como o celular, para 3,3 milhões de pessoas. Outros 6,8 milhões baixaram imagens do carnaval em horários variados, de acordo com a conveniência pessoal.

A pergunta é: será que coisas tão inovadoras como essas, dentro do paradigma “milhão no milímetro”, podem acontecer na base da gambiarra? Com certeza, não.

INTELIGÊNCIA OU ESPERTEZA?

O nível de complexidade das tecnologias atuais não é compatível com qualquer improvisação. Não dá mais pra “dar um jeito”. Isso pode ser confirmado pelo número de pessoas que viviam – e bem! – prestando assistência técnica sem vínculo com fabricantes. Hoje, quase não existem mais. O trabalho de manutenção reduziu-se à troca de módulos e peças de alto valor agregado, que chegam lacradas das fábricas. Mais comum ainda é a substituição do aparelho por um novo. Ou é a inovação que acrescentou muitas vantagens ao modelo mais recente ou é a armadilha da obsolescência programada.

Num balanço, fica claro que a indústria da tecnologia investiu muito mais inteligência do que esperteza em seus novos produtos. Seria desejável que essa ênfase fosse mantida em proporção semelhante também na cadeia de serviços que muitos desses produtos precisam para chegar ao público. Por exemplo os telefones celulares, que dependem dos serviços das teles para que o consumidor possa usar. O mesmo para as TVs por assinatura.

No Brasil, no entanto, parece que não é assim. Por aqui, esses serviços costumam ser vendidos com uma dose exagerada de esperteza. E não adianta dizer que é perseguição dos procons. No ranking MVP (Mais Valor Produzido) da Consultoria DOM, apurado em 2016, nenhuma das operadoras de telefonia chegou entre os 50 primeiros colocados na contagem geral do país. Quantos outros serviços são mais utilizados no Brasil do que a telefonia móvel? Se a experiência dos usuários com as teles fosse boa, eles não esqueceriam de citar.

Nos Estados Unidos, o Google acaba de anunciar que o Youtube  vai ter um canal de TV por assinatura em breve, ao preço de US$ 35,00/mês. A distribuição será OTT, ou seja, via Internet, como o Netflix. A diferença é que a TV Youtube terá dezenas de canais lineares, além de programação premium e capacidade ilimitada de gravação na nuvem. Imagine como um serviço desses poderia ser oferecido por aqui com a qualidade da conexão de que dispõem os internautas.

DECISÕES GLOBAIS, MUDANÇAS LOCAIS

A alta tecnologia está se tornando uma condição incontornável no mundo de hoje. Tão indispensável quanto o arroz com feijão. A Internet é o ambiente nativo de boa parte delas. A gestão das chamadas “cidades inteligentes” vai depender da participação dos cidadãos, trocando informações em tempo real para decidirem deslocamentos, opções de serviços, agendas pessoais.

No começo deste mês a americana Qualcomm e a chinesa ASE anunciaram uma joint venture para construção de uma fábrica de chips de alta densidade em Campinas, no Interior de São Paulo. Lá serão encapsulados chips de tecnologia ACSIP que integram, numa única peça, vários componentes semicondutores, como processadores, memórias, filtros de recepção e transmissão, dentre outros. Esses chips serão utilizados para celulares, modems 4G, 5G e dispositivos conectados IoT, a “Internet das coisas” (em inglês, Internet of Things).

A demanda prevista para projetos que envolvam IoT é algo sem precedentes. Máquinas estarão conectadas entre si, desempenhando tarefas autonomamente, com base em dados compartilhados via rede. E se a Internet não funcionar? Equipamentos não sabem dar jeitinho quando não recebem as informações necessárias.

Situações embaraçosas, como a Operação Lava Jato, demonstram que a opção pela esperteza tem raízes mais profundas do que se supunha. Não deve ter sido por acaso que tantos serviços caros e de má qualidade escolheram justamente o Brasil para operar. Porém, de qualquer lado que se olhe, parece que o mal feito não será mais sustentável. Se não for por inviabilidade técnica, vai ser pelas mãos da polícia.

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